Censo 2022

A fé brasileira está mais diversa, aponta IBGE

Dados do IBGE mostram que o país vive seu momento de maior pluralidade religiosa: católicos e espíritas estão em menor número. Aumentou a quantidade de adeptos de denominações de matrizes africanas e de evangélicos

No Brasil, caiu o número de católicos, triplicaram os adeptos das religiões Umbanda e Candomblé desde 2010 e o avanço evangélico, apesar de continuar, perdeu força -  (crédito: jcomp/Freepik)
No Brasil, caiu o número de católicos, triplicaram os adeptos das religiões Umbanda e Candomblé desde 2010 e o avanço evangélico, apesar de continuar, perdeu força - (crédito: jcomp/Freepik)

O Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre religião, publicado na sexta-feira (6/6), apontou que a orientação religiosa do brasileiro está mais diversificada. Enquanto caiu o número de católicos, os adeptos das religiões Umbanda e Candomblé mais que triplicaram desde 2010, e o avanço evangélico, apesar de continuar, perdeu força. O número dos que não têm religião também cresceu.

Embora o percentual de pessoas assumidamente umbandistas e/ou candomblecistas seja baixo, de 1,1%, o número é quase quatro vezes maior do que no último Censo, quando era de 0,3%. A população formada por religiões de matriz africana saiu de 525,6 mil pessoas para 1,8 milhão de pessoas — crescimento de 252%.

As regiões com as maiores concentrações de umbandistas e candomblecistas são o Sul, com 1,6% da população afirmando ser adepta de uma das duas religiões, e o Sudeste, com 1,4%. O estado com a maior porcentagem é o Rio Grande do Sul, com 3,2%, seguido por Rio de Janeiro, 2,6%, e São Paulo (1,5%).

A pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), diz ver "como algo muito positivo" mais pessoas se dizerem das religiões de matriz africana. Segundo a teóloga, esse crescimento indica que essas pessoas se sentiram mais encorajadas a se expressar.

"Antes, no Censo, quem praticava religiões de matriz africana, como o candomblé ou a umbanda, muitas vezes se declarava católico ou espírita, por questões de segurança, pela intolerância religiosa", avalia Romi.

A pastora explica, porém, que apesar de ser possível que tenha havido uma diminuição na intolerância religiosa contra essas crenças, ela "não afirmaria que houve uma diminuição significativa, porque sabemos que ela ainda é muito presente".

"O que acontece é que as pessoas que praticam religiões de matriz africana reconhecem a força coletiva dessas tradições. Elas se fortalecem nos coletivos e comunidades que compartilham essas práticas, o que ajuda no enfrentamento da intolerância", completou.

Dados do canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Disque 100, mostram que o Brasil registrou 3.853 violações causadas por intolerância religiosa em 2024 — um aumento de mais de 80% em relação a 2023 (2.128). As religiões mais afetadas foram a umbanda e o candomblé, registrando 234 e 214 violações, respectivamente.

Estado com maior número de praticantes das religiões de matriz africana, o Rio Grande do Sul é também aquele com registros de intolerância religiosa histórica sofrida por essas religiões. Em 2024 viralizou o vídeo da influenciadora Michele Dias Abreu afirmando que as enchentes no Rio Grande do Sul eram consequência da "ira de Deus" contra o elevado número de "terreiros de macumba" no estado.

Os adeptos das religiões de matriz africana são o segundo grupo mais instruído do levantamento do IBGE, com 25,5% de pessoas de 25 anos ou mais com ensino superior completo. O Espiritismo é primeiro, com 48% dos seus adeptos com o ensino superior completo.

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Censo 2022: a nova cara da fé no Brasil (foto: editoria de arte)

Recuo do catolicismo

Segundo o IBGE, o catolicismo apostólico romano atingiu o menor percentual de autodeclarados de toda a série histórica, iniciada em 1872, mas ainda se mantém como religião mais popular do país — saiu de 65,1% de adeptos em 2010 para 56,7% em 2022. A análise dos dados permite constatar que trata-se da maior diversidade religiosa manifestada em toda a sua história, incluindo aqueles que se permitem dizer sem religião.

Padre Álvaro Pimentel, pesquisador do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), na área de Filosofia da Religião, pontua que a diversificação das manifestações religiosas é uma conquista das liberdades individuais características da democracia. "Este pluralismo religioso é um fenômeno contemporâneo, muito importante nas sociedades em geral", diz ele, ao lembrar que, ao longo da história, houve uma ruptura com a religiosidade imposta pelo poder governante.

"Na Europa houve o monopólio do cristianismo — seja o cristianismo católico, seja o cristianismo evangélico — e esse monopólio foi rompido porque a religião do rei era a religião do povo. E o rei era o soberano. Quando a soberania é transferida para o Estado e o Estado não é religioso, é laico, o povo todo está dispensado de ser religioso", explica Pimentel.

"No Brasil, embora nós tenhamos tido uma repressão religiosa muito forte, que garantiu o monopólio da Igreja durante séculos, até a década de 1970, não houve uma extinção completa das tradições religiosas (como as de matrizes africanas), que continuaram latentes", pontua o teólogo.

Pimentel observa que, como atualmente "vige uma forma de legalidade que garante o pluralismo" essas religiões, que estavam latentes, puderam "brotar e se expandir no país, proporcionando o pluralismo religioso".

O levantamento do IBGE mostra que a maioria dos católicos se concentra no Nordeste (63,9%) e no Sul (62,4%), com presença majoritária em 4.881 dos 5.570 municípios do país. Em cidades do Rio Grande do Sul com forte influência da imigração europeia, o índice de católicos ultraa 95%.

Enquanto isso, os evangélicos mantiveram sua ascensão, com o percentual de autodeclarados adeptos subindo de 21,6% em 2010, para 26,9% no último censo — o crescimento, porém, desacelerou pela primeira vez desde 1960.

Entre 2010 e 2022, o percentual de evangélicos aumentou 5,2 pontos, frente aos 6,5 pontos registrados entre 2000 e 2010. A expansão é mais forte nas regiões Norte (36,8%) e Centro-Oeste (31,4%). Em 244 municípios, os evangélicos já são o grupo religioso predominante, com destaque para cidades do Sul e Sudeste com herança germânica e pomerana.

O retrato religioso do país também destaca o Espiritismo, que recuou de 2,2% para 1,8% da população, mantendo-se mais forte no Sudeste. A diversidade étnica se reflete nas tradições indígenas, cujos seguidores aram a representar 0,1% da população.

Para Romi Bencke, a continuidade da queda no número de católicos não é uma surpresa, mas sim, o fato da queda ter sido menor do que se projetava nos anos anteriores.

Análise geral dos católicos, evangélicos e sem religião

Por Denise Santana, doutora em teologia, jornalista e historiadora

Entre os especialistas em religião, era esperado a diminuição do número de fieis do catolicismo romano e o crescimento do número de evangélicos porque esse já era o quadro que se desenhava há anos no Brasil. O Censo 2022 só confirmou essa tendência. Mas o que surpreendeu foi os evangélicos crescerem, mas não de acordo com o esperado. O IBGE disse que existem 47,4 milhões de brasileiros que se declararam evangélicos em 2022 (26,9% da população). Em 2010 eram 21,6%. O crescimento foi de 5,2 pontos percentuais. Mas esse crescimento está abaixo da alta de 6,5 pontos registrada entre os censos de 2000 e 2010, sendo a primeira desaceleração na tendência de crescimento em 62 anos. Outra surpresa foi o crescimento dos sem religião. Em um país majoritariamente cristão, declarar não professar uma religião é algo novo. Esse grupo vem chamando a atenção nos dois últimos censos. Isso é reflexo da secularização e da destradicionalização que o país vive.

Mas por que os evangélicos crescem? A resposta é porque os evangélicos investem em evangelização em massa dentro dos templos, mas também nos meios de comunicação de massa como rádio, TV, redes sociais, jornal, revista e da literatura. O alcance da evangelização pelos meios de comunicação alcança um maior número de pessoas, em um menor espaço de tempo, a um custo financeiro mais baixo. Um exemplo do investimento aconteceu nas redes sociais. Desde a pandemia da covid-19, muitas igrejas começaram a transmitir os cultos ao vivo pelo YouTube. Essas transmissões alcançam os lugares mais distantes do Brasil porque a internet não tem barreira geográfica. Isso ajuda a espalhar as ministrações dos pastores. Os evangélicos também cresceram porque as pessoas buscam sentido para suas vidas por meio da religião e esse segmento tem uma mensagem de esperança e de amor para transmitir. Os evangélicos cresceram porque se fazem presentes nas capitais e nas cidades do interior do Brasil, investem em assistência social ajudando os mais necessitados com diversos projetos como assistência médica e odontológica, assessoria jurídica, aconselhamento pastoral, atendimento psicológico, distribuição de cesta básica, entre outros auxílios.

*Estagiários sob a supervisão de Edla Lula

 


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    BRA-Religioes Foto: Valdo Virgo
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    Censo 2022: a nova cara da fé no Brasil Foto: editoria de arte
postado em 07/06/2025 04:03 / atualizado em 07/06/2025 21:44
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