
Maternar é uma missão que exige dedicação, estratégia, boa comunicação, persistência, liderança e conhecimento — características também essenciais no mundo do empreendedorismo. Muitas mulheres, ao se tornarem mães, descobrem um novo universo de demandas e possibilidades. E, quando essas necessidades encontram soluções criativas, nascem mães empreendedoras.
Cynthia Amorim, 51 anos, moradora de Natal, sentiu essa transformação após o nascimento da segunda filha, há cerca de dez anos. Desempregada e com o orçamento apertado, começou a vender roupas e sapatos das filhas em grupos de redes sociais. Aos poucos, foi adquirindo produtos de melhores marcas e, mais adiante, ou a vender peças novas.
“Criei uma cartela de clientes, vi que tinha jeito para vendas, para conversar, fazer meu marketing. Quando recebi minha parte da herança do meu pai, não pensei duas vezes: abri minha loja infantil online”, contou Cynthia ao Correio.
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Formalizada como Microempreendedora Individual (MEI), sua marca “Além do Arco-Íris Moda Infantil” atende via internet clientes de várias regiões do país. Quando possível, ela mesma realiza as entregas.
Para Cynthia, o modelo ideal de negócio é aquele que permite conciliar a rotina empreendedora com a maternidade: “Foi a melhor escolha para ser uma mãe presente. Trabalho em casa, atendo minhas clientes, cuido da casa e da minha família. Me desdobro, mas é algo que me dá prazer. Cheguei a fazer entregas levando minhas filhas junto no carro. Minha prioridade é estar com minha família.”
O peso da maternidade no empreendedorismo
Dados do Sebrae revelam que 67% das empreendedoras brasileiras são mães. Margarete Coelho, diretora de istração e Finanças da entidade, afirma que o surgimento de novas demandas com a maternidade é um dos principais fatores que levam essas mulheres a empreender:
“Muitas mães identificam lacunas no mercado a partir de suas próprias experiências e transformam isso em negócios. A dificuldade em conciliar horários fixos de trabalho com os cuidados com os filhos também impulsiona essa escolha. A maternidade desperta novas paixões e interesses, como a busca por produtos e serviços específicos para os filhos”, explicou ao Correio.
Outro fator relevante para levar mães ao empreendedorismo é o desemprego.
Mães fora do mercado de trabalho
Conciliar maternidade e trabalho formal ainda é um grande desafio para a maioria das mulheres. A ausência de rede de apoio, a sobrecarga de trabalho doméstico e as longas jornadas de deslocamento são obstáculos reais.
Segundo a PNAD Contínua, divulgada pelo IBGE em maio de 2025, a taxa de desocupação entre mulheres (8,7%) continua superior à dos homens (5,7%). Já a Nota de Política Econômica (NPE 51) publicada no Jornal da USP revelou que 11,2 milhões de mulheres estavam fora da força de trabalho devido à necessidade de cuidar de pessoas — sendo 6,8 milhões negras e 4,3 milhões brancas.
A pesquisadora Janaína Feijó, do FGV IBRE, destacou que 29,5% das mães solo entre 15 e 60 anos estão fora do mercado de trabalho. Esse número sobe para 32,4% quando se trata de mães com filhos de até cinco anos.
Maternidade como inspiração para novos caminhos
Carina Alves Cavalcante é um exemplo. Arquiteta e professora, ela perdeu o emprego após a licença-maternidade. Com dificuldades financeiras e sem perspectiva de conciliar trabalho e cuidados com a filha, decidiu transformar conhecimentos adquiridos durante a gestação em nova carreira.
“Agora, eu não via sentido. Eu ficar longe da minha filha, me matando de trabalhar, sem tempo para cuidar das coisas em casa, sem tempo, de ter tempo com a minha filha, sendo que eu não ia ganhar o suficiente para bancar a creche e bancar a casa. Então decidi pegar o que fiz de curso durante essa licença maternidade e transformei em profissão, transformei em trabalho. E estou nessa aí já tem 10 anos?”, detalhou Carina.
Com a nova carga de saberes, ela virou consultora, doula e uma das pioneiras na difusão do sling em Brasília e chegou a ter uma loja para vender o ório e promover encontros entre mães. Durante a pandemia, teve de fechar a loja e adaptar o negócio ao digital.
Conciliar o trabalho e a maternidade, no entanto, sempre foi um desafio para a empreendedora, sobretudo pela natureza da doulagem que demanda atenção plena e disponibilidade de horário, afinal um bebê pode nascer a qualquer momento. Em um dos atendimentos, Carina teve que levar a filha, que na época tinha 4 meses, e colocou o bebê no sling.
“Hoje em dia consigo trabalhar com a doulagem de forma melhor, porque meu marido trabalha de casa e fica com as crianças, então, eu tenho uma maior disponibilidade. Nesse período de empreendimento engravidei duas vezes, tive duas gestações, ei pela pandemia que foi um momento muito difícil, porque meus atendimentos eram presenciais”, explicou.
De volta a Brasília, Carina reabriu o negócio “Mãe Acalanto” e segue atendendo novas mamães. Ela empresta técnica profissional e experiência como mãe de três a outras mães.
Como Juliana Feris, de 36 anos, que mora no Sudoeste e teve a Cecília em abril. Para ela, o acompanhamento de Carina como doula promoveu segurança e tranquilidade em um momento único da vida. “Foi essencial. O apoio emocional e as orientações fizeram toda a diferença no parto e no pós-parto. Ter uma doula por perto traz conforto e segurança”, afirma Juliana.
Mães empreendedoras enfrentam desigualdades
A pesquisa do Sebrae mostra que mulheres empreendedoras, especialmente mães, dedicam menos tempo ao negócio do que os homens por conta das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos. Em média, elas trabalham de 34 a 35 horas por semana, contra 43 horas dos homens. Além disso, 61% das mulheres afirmam já ter deixado de fazer algo por si ou pelo negócio para cuidar dos filhos, contra 48% dos homens.
Apesar disso, o sucesso de seus empreendimentos não é menor — apenas mais desafiador. O Sebrae aposta em soluções para fomentar o empreendedorismo materno, como o FAMPE Mulher, fundo que garante até 100% dos empréstimos para negócios liderados por mulheres.
“Pesquisas já comprovam que uma economia com mais equidade de gênero, onde as mulheres atuem tanto quanto os homens, tem resultado direto no crescimento do PIB. Por isso é fundamental estimularmos e apoiarmos o empreendedorismo feminino. Não é apenas uma questão de equilibrar esse jogo e valorizar as mulheres, é questão de desenvolvimento sócio econômico que beneficiará toda sociedade. Sabemos que o o ao crédito é um dos maiores desafios dos pequenos empreendedores e, para as mulheres, essa dificuldade é ainda maior”, comentou.
Mulheres que lideram negócios inspirados na maternidade aplicam, diariamente, as mesmas competências que desenvolvem no cuidado com os filhos: solução prática de problemas, empatia, gestão de tempo e resiliência. Característica fundamentais para levar um negócio ao sucesso.