Direito do Consumidor

Perdeu a comanda e foi multado no bar? Isso é ilegal

Estabelecimentos não podem impor valor fixo sem comprovação do consumo; especialistas orientam clientes a reclamarem no Procon, caso não resolvam a situação de forma amigável, ou recorrerem à Justiça

DIREITO do Consumidor 0906 -  (crédito: Caio Gomez)
DIREITO do Consumidor 0906 - (crédito: Caio Gomez)

O clima de descontração típico de bares e casas noturnas pode rapidamente virar um estresse quando surge um problema aparentemente simples: a perda da comanda. Apesar de ser apenas um pedaço de papel ou um cartão, esse item ainda é usado por muitos estabelecimentos como único meio de controle do consumo, e, em caso de extravio, costuma resultar em cobranças elevadas e constrangimentos. Mas o que diz o Código de Defesa do Consumidor (CDC)?

Mariana Soares, 26 anos, publicitária, foi comemorar o aniversário de uma amiga em um bar da Asa Norte que utilizava comandas individuais. No meio da noite, entre rodadas de drinks e idas ao banheiro, ela deu falta desse papel.

Na saída, foi informada de que teria que pagar R$ 250 pelo "consumo mínimo", mesmo sem ter bebido nem o equivalente à metade disso. Tentou conversar com o gerente, mas ele foi inflexível. Um segurança a acompanhou até o caixa e disse que ela só sairia dali depois de pagar.

Constrangida e com medo, Mariana arcou com o valor. No dia seguinte, registrou uma reclamação no Procon-DF e descobriu que a cobrança era ilegal. Agora, pretende entrar com ação judicial para reaver a importância.

"Naquela hora, eu só queria sair dali sem causar confusão e chegar à minha casa. Depois, vi que tinha sido coagida. Não havia qualquer controle interno, só essa comanda de papel que se perdeu no decorrer da noite", relata.

As medidas adotadas ou que serão efetivadas pela jovem estão corretas. A especialista em direito do consumidor Amanda Moreira afirma que, nesse caso, a cliente pode tentar o reembolso posteriormente. "O caminho nessas situações é reunir todas as provas do ocorrido, como nota fiscal, recibo, fotos, vídeos, conversas e testemunhas, e formalizar uma reclamação no Procon, que poderá intermediar a solução de forma istrativa".

Se não for possível um acordo entre as partes, Mariana pode ingressar com ação no Juizado Especial Cível, pleiteando a devolução do valor pago de forma indevida, com base no artigo 42, parágrafo único, do CDC. O dispositivo garante a importância em dobro, acrescida de juros e correção, além de possível indenização por danos morais.

Além disso, cobrar um valor aleatório, decidido pela empresa, ou o "consumo mínimo", sem comprovação do que foi consumido, viola o CDC, que, em seu artigo 39, proíbe práticas abusivas.

No Distrito Federal, existe ainda outro amparo legal: a Lei Distrital nº 6.506/2020. Bares, restaurantes e casas noturnas do DF que utilizam comanda devem obrigatoriamente oferecer alternativas de controle individual. Além disso, é proibida a cobrança de multa por extravio quando o estabelecimento não tiver outro meio de acompanhar o consumo do cliente.

Fora a legislação específica, essa prática configura constrangimento ilegal (artigo 146 do Código Penal). Se o estabelecimento se recusar a permitir a saída de uma pessoa ou ameaçar chamar a polícia sem apresentar provas do consumo, o cliente pode acionar o 190.

Sem estresse

Perder a comanda não significa abrir mão dos seus direitos. O controle de consumo é responsabilidade do fornecedor, e não do cliente.

Vinícius Porto foi com amigos a um pub no Sudoeste para comemorar a aprovação de um deles em um concurso público. Ao chegar, recebeu uma pulseira eletrônica com QR Code, usada para registrar o consumo. Em algum momento, a pulseira arrebentou.

Preocupado, Vinícius chamou um garçom que, imediatamente, verificou no sistema os itens que ele havia consumido até ali. A pulseira foi trocada, sem maiores intercorrências. No fim da noite, ele pagou exatamente o que consumiu, cerca de R$ 78.

"Achei que teria uma baita dor de cabeça para resolver, mas eles tinham tudo controlado no sistema. Nem precisaram da pulseira para saber o que eu tinha consumido, só informei meu F". Essa experiência mostrou como tecnologia e organização evitam abusos e protegem tanto o consumidor quanto o estabelecimento.

O exemplo atende à legislação. A advogada Amanda Moreira explica que a responsabilidade pelo controle do consumo em bares e restaurantes é integralmente do fornecedor, não podendo ser transferida ao consumidor, conforme preconiza o CDC. Isso decorre dos princípios da boa-fé objetiva, da transparência e do dever de fornecer informações claras, previstos no código.  "Qualquer tentativa de impor ao consumidor a obrigação de controlar seu próprio consumo, como no caso da comanda, é ilegal e considerada prática abusiva", afirma.

*Estagiária sob a supervisão de Malcia Afonso

 

postado em 09/06/2025 06:00
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