
Por Antonio Gonçalves* — A sociedade tem evoluído e se individualizado por meio de um processo advindo da inserção tecnológica no cotidiano das pessoas, com a presença de produtos de durabilidade reduzida e uma variedade cada vez maior. Gilles Lipovetsky, ainda nos anos 1980, classificou esse fenômeno como o desenvolvimento de uma sociedade de hiperconsumo.
A característica preponderante é a associação do consumo como método e meio de viabilização da felicidade, como se o "ter" e o "querer" proporcionassem o ato de ser pleno e feliz. A consequência tem sido uma massificação do consumo, de modo a atender todas as camadas e classes sociais, promovendo uma democratização do poder de compra.
Essa massificação, como afirma Habermas, trouxe duas consequências: a primeira foi a premência da instantaneidade da satisfação via aquisição de produtos, fazendo com que a idealização e o sonho da compra tenham poucos momentos de prazer e sejam rapidamente substituídos por novos alvos. Ademais, nesse ritmo acelerado, potencializado pela publicidade, a massificação ou a produzir tendências e comportamentos reiterados, a ponto de as pessoas consumirem por modismo e pelo anseio de ter o que os demais também consomem.
De tal sorte que os filmes, atualmente, não exigem tanta elucubração, as músicas perderam profundidade e as relações interpessoais deixaram de ter a complexidade de outrora, no que Bauman chamou de liquidez das relações. Assim, o amor líquido da sociedade de hiperconsumo associa o "ter" e o "querer" à felicidade. Tal fenômeno produziu indivíduos centrados em sua própria individualidade e em seus anseios, na busca de alcançar a tão propalada felicidade sem depender das agruras e dificuldades de uma relação afetiva.
Quando os produtos não produziram a felicidade esperada, os consumidores enveredaram para a satisfação pessoal com a própria imagem, em um movimento que Dworkin chamou de "felicidade artificial", no qual as pessoas aderiram a alterações físicas, por meio de produtos e cirurgias, para se aceitarem e se reconhecerem como felizes. Quando esse plano fracassou, entraram em cena os remédios, ansiolíticos e antidepressivos. Todavia, a busca incessante pela felicidade permaneceu inata.
O mercado não se quedou inerte e lançou a possibilidade de "ter" e de "se querer" um produto que alia sentimentos, pertencimento e felicidade. O resultado tem sido experimentado com igual velocidade e impacto: a sociedade de hiperconsumo produziu sentimentos de conquista e compra no fenômeno do imaginário de um grupo de pessoas que ou a associar um produto a um sentimento — o bebê reborn.
É possível encomendar um "bebê" (o que, para os que estão fora da bolha do hiperconsumo, seria apenas uma boneca) e determinar suas características: fenótipo, expressão, tamanho, cor dos olhos e demais traços. O resultado é um realismo que convence o imaginário dessa sociedade que persegue a felicidade artificial por meio do hiperconsumo de que elas "tiveram" e "conceberam" um ente — ou melhor, um ser vivo.
Não é proibido, censurável ou recriminável que qualquer pessoa queira alcançar sua felicidade; porém, essa liberdade, na sociedade líquida moderna, tem propiciado um modismo cuja realidade dos bebês reborn produz efeitos que irão questionar a atuação e as consequências do Direito nessa sociedade e também no cotidiano das pessoas em geral.
O resultado é a colisão de direitos e realidades. Para os "pais de bebês reborn", a construção de um arquétipo e de situações convencionais de um infante é perfeitamente normal. Contudo, para os que estão fora dessa realidade, a estranheza é inevitável. Por conseguinte, os problemas não tardaram a aparecer.
Casais que se separam e lutam pela guarda do bebê reborn, anseios em batizar, cuidar como se doente estivesse, levar para ear e, logo menos, querer matricular em creches e escolas são alguns dos casos com os quais a sociedade tem de lidar atualmente.
No Brasil, o fenômeno também está presente, com as mesmas dificuldades. E o que se questiona é: o Direito deverá intervir na realidade dos bebês reborn? A resposta não pode ser apressada, pois há todo um conjunto de sentimentos interligados a uma felicidade que, para esses pais, é completamente real e palpável. Porém, na letra fria da lei, um bebê reborn é uma coisa e não um ente. Por conseguinte, não há como regular comportamentos. Ainda...
Afinal, as consequências estão à espreita do Direito. Expliquemos: o que impedirá os pais de celebrarem um testamento e deixarem a parte disponível de seu patrimônio para o bebê reborn? Na prática, nada. É um ato lícito. Mas será que o tabelião poderá se opor? Em uma briga de casal com separação, a Justiça poderá ser acionada pelo debate acerca da guarda? Um trabalhador poderá ser desligado da empresa por ter alegado que seu bebê reborn estava com febre ou que teve uma noite difícil?
Não existem respostas fáceis ou instantâneas. Afinal, em uma realidade da sociedade líquida de hiperconsumo, confundir ente com vida é plausível, e continuar a atrelar a felicidade ao "ter" e ao "querer" tem sido o mote cotidiano. Portanto, é necessário ter parcimônia com as minorias que não reconhecemos — seja em comportamentos, seja em sentimentos. As pessoas têm o direito de ter direitos diversos da maioria, desde que não afetem os direitos dos demais.
Eis o desafio premente da sociedade de 2025 e da realidade dos "pais de bebês reborn". Os problemas podem perdurar até que surja uma nova moda, tendência ou um novo caminho para a felicidade. Até lá, as consequências dos bebês reborn ocuparão o cotidiano das pessoas, dos operadores do Direito e, por que não, do Judiciário.
Advogado criminalista. Pós-doutor em ciência da religião e em ciências jurídicas. Doutor e mestre em filosofia do direito e MBA em relações internacionais*
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