
Num futuro bem próximo nas telas, a estrela de Bailarina, a cubana Ana de Armas, estará dividindo as telas com Tom Cruise, no filme de ação Deeper, que reunirá um ex-astronauta à aventura no oceano. Por enquanto, vistos como símbolos indissociáveis do cinema de corre-corre, no qual dispensam dublês, Cruise e Armas têm unido forças para criar impactos de bilheteria, a cada filme. O astro de Missão: Impossível tem o esforço extra de prestigiar e impulsionar, como em heróica cruzada, a plataforma de de lançamento de Bailarina, no qual outro astro da pancadaria deixa sua marca: Keanu Reeves, ator da série John Wick, da qual Bailarina é citado, pelo diretor Len Wiseman, como "uma expansão de universo".
Chegar ao "fundo de questões" da personagem Eve MaCarro, que tira (de alguns) e perde muito sangue na telona, mobilizou Ana de Armas a "encontrar a verdade, não importa o que aconteça". Ana de Armas se descola da figura da enfermeira de Entre facas e segredos (2019) e da sensualidade frágil de Marilyn Monroe, em Blonde (no personagem que lhe rendeu a indicação ao Oscar, em 2022), para encarar uma personagem mais colada ao universo da agente secreta 007 — Sem tempo para morrer (2021). Quanto à intensidade física demandada pelo papel, à revista Variety, Ana contou da composição e dos efeitos: "Tudo doía: minhas mãos, minhas unhas quebraram, os hematomas se espalharam (...), ah, meu pescoço!. Na realidade, foi tudo muito divertido", observou.
Por quatro meses de fortes treinos, Ana de Armas se preparou para "maximizar a experiência" de dispensar dublês, em muitos momentos. Num comparativo ao efeito da determinada personagem de Uma Thurman, em Kill Bill (de Quentin Tarantino), há 22 anos, vista na tela, como instigou a publicação Deadline, Armas foi enfática: "Eu não poderia estar melhor (com isso). É muito bonito causar este efeito (de liderar). Tenho a contribuição nas jovens gerações, já que meu personagem detém características inspiradoras. Espero que (a Eve), de um modo, cause efeitos positivos entre as meninas".
No que é considerado o terceiro capítulo e meio da saga John Wick, Bailarina se vale de uma escalada de números polpudos nas bilheterias: o primeiro exemplar rendeu US$ 88 milhões, US$ 171, o segundo, em 2017; US$ 326 milhões, Parabellum (2019) e, há dois anos, o quarto capítulo rendeu US$ 447 milhões. Baseado em personagens de Derek Kolstad, o roteiro de Shay Hatten (dos dois últimos John Wick) traz Eve MaCarro inserida numa seita (a Ruska Roma), antes de encontrar o personagem de Norman Reedus, Daniel Pine, em um hotel de Praga — fato que vai render na trama de Bailarina.
Sucessivas explosões, um treinamento desumano para Eve, cenas ensandecedoras em uma boate, com um grau de fúria que desencoraja qualquer um a interferir, além de uma rivalidade entre tribos são alguns dos elementos de Bailarina. Uma lacuna paternal e a disputa com a misteriosa Lena (Catalina Sandino Moreno) são alguns dos detalhes que fragilizam a protagonista. No filme, a direção de fotografia ficou a cargo do francês Romain Lacourbas. As cenas numa vila muito peculiar do filme trazem fino acabamento. No elenco do filme, com trama crivada de sentenças de morte, há os reforços de Anjelica Huston, de novo, no papel de uma chefona; Gabriel Byrne (como o Chanceler) e Ian McShane, na pele de Winston.
Busca incansável
Com sessões no Cine Brasília e no complexo Caixa Cinesystem (no CasaPark), o longa A procura de Martina mobiliza personagens no justiçamento de uma calamitosa realidade decorrente da implantação da ditadura na Argentina. O filme de Márcia Faria, que tem roteiro coescrito por Gabriela Amaral Almeida, é uma coprodução entre Brasil e Uruguai, e coloca a estrela latina Mercedes Morán (que esteve em filmes de Pablo Larraín, Lucrecia Martel e Walter Salles) no personagem de uma integrante do grupo Avós da Praça de Maio, há décadas atuante para localizar desaparecidos do regime. Contra o apagamento, Martina ainda lida com o acometimento por Alzheimer. No elenco do filme, cuja ação desemboca no Rio de Janeiro, estão ainda Carla Ribas e Luciana Paes.
Três perguntas para: Mercedes Morán, atriz
A senhora crê que sua personagem possa ser vista como uma heroína?
Com o ar dos anos, o mundo, quando da época da ditadura, nos apresentou algumas pessoas que foram sequestradas e desaparecidas: eram mulheres grávidas que tinham seus filhos em cativeiro, e essas crianças foram sequestradas e adotadas pelos assassinos e torturadores de seus pais. Percebemos naquele momento que estávamos diante de uma tragédia shakespeareana e não podíamos imaginar que, no futuro, surgiriam associações e movimentos como os as Avós da Praça de Maio, que realizaram a busca por esses netos de forma absolutamente pacífica e amorosa; nunca buscando vingança, sendo muito justas e responsáveis. Acho que isso faz de cada uma delas uma heroína do nosso tempo — uma heroína do amor, da paz e da justiça.
Estive com Estela de Carlotto há 13 anos, quando me contou do "privilégio do luto" de ter um corpo (da filha) para enterrar, adas as atrocidades da ditadura. No cinema, de onde vem a força para encarar um personagem que luta por destino digno para uma trama de permanente sofrimento?
Digo como vejo Martina e de onde acho que ela tira sua força: acho que ela é uma personagem muito forte e que é acometida por doença (Alzheimer), que, paradoxalmente, a torna uma pessoa muito vulnerável. Acho que a força para prosseguir com sua busca vem do amor que ela sente pela filha. Percebi, ao encarnar essa personagem, que as filhas são a grande força motriz por trás da busca das avós por seus netos. É claro que há um amor por esses netos, uma enorme necessidade de recuperá-los. Vejo as avós como detentoras de um último ato de amor por suas filhas desaparecidas.
Com projetos como Teatro pela Identidade (de integração entre parentes de vítimas da ditadura e exposição da problemática dos desaparecidos) foram curadas partes das feridas advindas com a implantação da tirania. Como a arte transforma afetados pela devastação social?
Há como nos libertarmos de certas opressões, acho que a arte sempre liberta. Cura, sob qualquer manifestação: um romance, uma música, um filme. Porque sempre respondem a necessidades bem pessoais. Tudo é muito individual, e poder expressar isso, cura. A criação de qualquer obra também é muito pessoal para artistas. Acho que igualmente é saudável para o espectador. É libertário, como espectadora de um filme desta natureza, ou de qualquer expressão artística comprometida com a realidade. São obras que abrem questionamentos muito enriquecedores.
Policial de terminada
Muito celebrada na temporada das premiações na Espanha, em que cravou um marco nas bilheterias (e obteve recorde de 24 indicações, somadas, nos prêmios Goya e Platino), a diretora Arantxa Echeverría, com o longa A infiltrada, recentemente expandiu a discussão de gêneros, ao comandar um filme, supostamente, embalado para homens, e que trata de feridas expostas por ações terroristas da organização separatista Pátria Basca e Liberdade (ETA, dissolvido em 2011). "Foi complicado. É um thriller com um tema masculino. A protagonista é uma mulher, policial. Temos no filme duas roteiristas (Amèlia Mora e eu), uma montadora (Victoria Lammers), e é filme produzido por mulheres. Como chegamos a um gênero de filme tão masculinizado, cheio de testosterona, desde o ponto de vista de uma mulher!? Tudo isso veio cheio de vantagens ou de dificuldades. O espectador gostou da história de ação, de tensão e de emoção. Não foi fácil. É difícil tentar mudar o estabelecido. Quando vemos que funciona e que o público corresponde, dá ainda maior vontade de transformar as coisas", avaliou, ao Correio. Baseado na vida real de Aranzazu B. Marín (um pseudônimo da policial, A infiltrada expande a trama de oito anos da mulher que radicaliza nos cortes de laços familiares, para priorizar a profissão.
Duas perguntas // Arantxa Echeverría, cineasta
A Carolina Yuste (atriz de A infiltrada) venceu, com o ator Luis Tosar, e o filme, o prêmio conferido pelo público nos Prêmios Platino... Yuste disputou com Fernanda Torres, num outro forte papel feminino, de Ainda estou aqui. Seu filme igualmente toca o terrorismo. Como encara a vitória de papéis como o da Fernanda Torres na Globo de Ouro, e a indicação ao Oscar?
No A infiltrada mesclamos todos códigos ditos masculinos e os transformamos. Quando você vê que funciona e que o público gosta é perfeito. Acho que temos que lutar por transformações. Ainda estamos longe do ideal. Lá (em Hollywood) ainda é um mundo gringo onde nós, latinos, estamos nos esforçando para alcançar. Mulheres incríveis (como Torres e Karla Sofía Gascón) trazem luz. Mas continuamos sem fazer parte da indústria cinematográfica quando somos os que mais filmes vemos. Os latinos consomem tudo o que é produzido. Então, acho que temos que fazer uma renovação. Estamos começando a ver um pouco de luz e agora acreditamos que tudo está resolvido. E, não! Temos que continuar lutando da Espanha, da América Latina, pela causa, porque nós, que somos irmãos em última análise, podemos alcançar objetivos comuns.
Como você vê este mundo distópico, ao abordar a violência contra povos, e mulheres, de modo tão objetivo (no filme)? Qual seria o eu ideal, numa nova globalização?
Vivemos um terrorismo cultural. Estou com muito medo. Seria maravilhoso se o próximo presidente dos Estados Unidos fosse um latino, pelo o que está acontecendo (risos). Temos um problema sério, porque... Trump e todas essas pessoas estão lá pelo voto latino. Acho que é uma questão de educar de baixo e explicar bem quais são os nossos direitos. A que podemos aspirar? Sentir mais a unidade do povo latino-americano. Somos uma potência cultural e financeira. Acreditamos que poderíamos competir com qualquer pessoa rica, com qualquer russo. No meu mundo, todos nós nos uniríamos. Línguas muito faladas são espanhol e português. Imagine nossas pessoas comandando o mundo?! Seria maravilhoso (risos).