
Na cozinha de sua casa, em Ceilândia, entre o sabor de brigadeiros e a beleza de bolos confeitados, Diana Paixão, de 52 anos, molda mais do que doces: esculpe a própria história com o sentimento que carrega no nome. Há 13 anos, ela empreende — primeiro, com artesanato; depois, com a confeitaria, chama que viu acender há pouco mais de um ano. Sua marca, a Petit Docer, nasceu no espaço íntimo e afetivo de sua cozinha, mas encontrou nas redes sociais — com mais de cinco mil seguidores e um feed repleto de delícias de dar água na boca — a vitrine que faltava para alcançar outras mulheres, outros lares, outros afetos.
Até agosto do ano ado, Diana era casada, uma união que durou 15 anos. E, então, separou-se e teve uma mudança brusca. "Não somente na realidade financeira, como também a de ter que cuidar de tudo: da casa, dos filhos, não tem mais ninguém para dividir comigo. O que era renda extra precisou virar a principal fonte", relata a confeiteira.
Como tantas empreendedoras brasileiras, ela enfrentou a encruzilhada que marca a vida de quem trabalha por conta própria: o amor pelo que faz e a necessidade de garantir o sustento. A sobrecarga, a solidão, a ausência de apoio e a confusão financeira tornaram-se obstáculos invisíveis, mas pesados. "Era tudo junto, as despesas da casa com as da empresa, sem saber nunca o que entrou e o que eu tinha feito com o dinheiro", descreve. Mãe de três filhos, morando de aluguel, ela retornou ao mercado de trabalho, com carteira assinada, para conseguir manter a casa.
Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostram que as mulheres são responsáveis por mais de 34% dos empreendimentos no Brasil. No entanto, mais de 50% das empresas abertas por mulheres encerram as atividades em até cinco anos. Não por falta de competência, mas devido à sobrecarga: jornada tripla, maternidade, ausência de rede de apoio, falta de educação financeira e preconceitos estruturais. "Eu achava que estava fazendo tudo certo, eu me dedicava, mas não conseguia avançar", relembra Diana, com a franqueza de quem não teme expor quando a receita fica fora do ponto.
Foi nesse cenário que a Jornada Dona de Si surgiu como um farol. A iniciativa, de alcance nacional, oferece oportunidades de formação e desenvolvimento para mulheres de diversas localidades, com aulas sobre gestão de negócios e organização financeira; comunicação e marketing; e investimento e tributação. Além disso, a formação pretende trabalhar a autoestima e confiança das participantes por meio de aulas de empatia e autocuidado, inteligência emocional e desenvolvimento pessoal.
A ferida que vira força
O instituto que leva o mesmo nome nasceu de outra realidade transformada: a de Suzana Pires, atriz, roteirista, empresária e, sobretudo, mulher que sentiu na pele as dificuldades de ocupar posições de poder que não estavam, segundo o imaginário coletivo, reservadas para ela. "Se isso aconteceu comigo, imagina com mulheres que não tinham os mesmos privilégios que eu!", reflete.
Sua resposta a essa indignação foi criar uma jornada que não apenas ensina técnicas de empreendedorismo. "Para uma mulher validar sua existência, ela precisa se libertar de muitas camadas culturais que a levam a ser somente um ser que serve aos outros", defende a autora do livro Dona de si: A mulher que faz acontecer.
A Jornada Dona de Si abre caminhos por todo o Brasil — de São Paulo a Salvador, do Rio a Porto Alegre, da capital do país aos rincões menos visíveis. Em seis anos de atuação, o projeto social alavancou a realidade profissional de mais de cinco mil mulheres na indústria criativa, mostrando que empreender é também um ato de resistência, de amor e de liberdade.
Sem imaginar, Suzana estava plantando uma semente que floresceria na vida de outra Suzana — a Araújo de Sales, 56, maquiadora social e moradora do Riacho Fundo 2. Ela e Diana, em momentos distintos de vida, encontraram no Instituto Dona de Si uma oportunidade única de crescimento pessoal e profissional.
A Suzana brasiliense iniciou sua trajetória no mundo da beleza em meio à pandemia de covid-19. Foi nesse período de incertezas que ela se redescobriu por meio da maquiagem, começando com um curso de automaquiagem. "A paixão despertada em 2020 me impulsionou a buscar mais conhecimento e qualificação", recorda. Desde então, ela participou de diversos cursos profissionalizantes nas áreas da beleza. Hoje, atende suas clientes com carinho em um espaço singelo, no próprio apartamento — "um lugar simples, mas cheio de amor, dedicação e propósito".
"Sou formada no curso técnico em secretariado, no qual tenho experiência, e graduada em secretariado executivo", relata a dona do perfil @suzanasalesmakeup, com orgulho de sua trajetória. Ela perdeu o trabalho anterior em razão de corte de custos da empresa. "Iniciei com esse sentimento e sonho, e por falta de oportunidades para retornar ao mercado de trabalho. Um dos motivos inclui a idade. Decidi empreender como uma nova oportunidade para mostrar ao mundo que ainda existo e posso ajudar outras mulheres também, vendo-as felizes", destaca.
Assim como Diana, Suzana também se viu diante dos desafios que o empreendedorismo impõe: a necessidade de conciliar família, finanças e a busca por autonomia. Casada há 40 anos, com três filhos e três netos, ela encontrou no Instituto Dona de Si não apenas ferramentas práticas, mas um espaço seguro para se fortalecer como mulher e profissional. "O Dona de Si me deu valores e pilares. Ensinou-me a reconhecer o quanto eu ainda sou importante para mim e para a sociedade e a superar desafios constantes, relacionados à vida pessoal e profissional", pontua.
Amor próprio e coletivo
Diana, hoje, sente essa libertação na pele: reorganizou sua rotina, aprendeu a se posicionar nas redes sociais, perdeu a vergonha de aparecer nos stories, de falar do seu produto, de mostrar sua paixão. "Percebi que a maioria das minhas vendas vem do Instagram e do WhatsApp Então, aprendi a tirar uma boa foto, a falar com confiança." Sua maior conquista talvez não esteja apenas na vitrine da @PetitDocer, mas no outro perfil, o @BoraMulher.Bsb, onde ela compartilha conteúdos para inspirar outras mulheres a empreenderem — um espaço onde distribui o que aprendeu, acumulando mais de 9 mil seguidoras engajadas.
Suzana Araújo também sente essa transformação. "Minha caminhada como empreendedora não tem sido fácil, mas sigo com coragem, foco e fé. Acredito que, com o apoio das pessoas certas e com os conhecimentos adquiridos no Instituto Dona de Si, irei alcançar meus sonhos e objetivos. Oportunidades são únicas e não devemos perdê-las", enfatiza a moradora do Riacho Fundo, com brilho nos olhos.
No papel de mentora e multiplicadora, Suzana Pires reforça: "As dores não somem, mas são manejáveis quando soubermos quem somos, o que queremos e o que aturamos. Nossa formação tem como foco tornar a mulher empreendedora da própria vida; ela sai de um estado de 'existir para servir' para um estado de 'existir para se construir'".
São mães, profissionais, mulheres que enfrentam desafios cotidianos, mas que, com as ferramentas certas, transformam o trabalho em um gesto de amor próprio e coletivo. "Empoderar alguém é validar quem essa pessoa é. É dar condições para que ela se constitua com mais autonomia, estabelecendo limites e objetivos claros para a própria trajetória. A autoestima, a autoconfiança e o autovalor são fundamentais para isso", finaliza Suzana Pires.
Saiba Mais
-
Trabalho & Formação Conheça Toshio Nakamura, referência no ensino da matemática em Brasília
-
Trabalho & Formação Curso de auxiliar de cozinha capacita egressas do sistema prisional para o mercado
-
Trabalho & Formação Jovem paraibana conquista bolsa de estudos de 70% em Londres
-
Trabalho & Formação Conheça Emily Braz, a primeira mulher piloto de helicóptero do Exército