
O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) divulgou novas diretrizes médicas sobre o gerenciamento da dor durante procedimentos comuns — como a inserção de dispositivo intrauterino (DIU), biópsia endometrial, histeroscopia, imagem intrauterina e biópsia cervical. O manual é um guia para médicos, não uma obrigação de tratamento.
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Tais diretrizes incluem a recomendação do uso de anestésicos locais para a inserção do DIU, que atravessa a abertura do colo do uterino para chegar ao útero — considerado um dos procedimentos mais dolorosos por muitas pacientes. As diretrizes também pedem que os médicos usem opções de alívio da dor mesmo quando as evidências são limitadas e envolvam os pacientes na escolha do que funciona melhor para eles.
Genevieve Hofmann, coautora da orientação, destacou em comunicado do ACOG que muitos pacientes descrevem ter a dor minimizada ou ignorada por seus médicos. De acordo com o ACOG, as orientações ressaltam que a idade e a experiência do paciente com o exame, bem como seu próprio nível de "ansiedade basal", podem afetar a maneira como ele sente a dor.
A criação e a prática de diretrizes claras são essenciais para evitar casos como o de Pâmella Labanca, assessora de imprensa. Ela relata que, ao decidir colocar o DIU, a médica informou que sentiria apenas uma dor, "quase como uma pressão". No entanto, a realidade foi outra: "Cheguei para fazer o procedimento e, durante a inserção do DIU, senti muita dor, e a médica chegou a insinuar que eu estava exagerando. Ela finalizou e eu continuei sentindo muita dor. Ela me receitou um remédio, mas a dor não ava", conta.
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Além da dor no dia da inserção, os dias seguintes também foram marcados por intenso desconforto e pela falta de assistência da médica. "Liguei para a médica diversas vezes, e ela me ava remédios cada vez mais fortes, dizendo que era fase de adaptação", relata Pâmella.
Pâmella insistiu em ter um e médico. Apesar da omissão da clínica e da médica, sua persistência levou à realização da ultrassom de 40 dias — um procedimento comum para verificar a posição do DIU. Foi então que descobriu que o contraceptivo estava deslocado, o que justificava a dor intensa. "Eu havia relatado a dor para a médica, mas ela negligenciava e tratava como um exagero meu. Depois, com outro médico, coloquei o DIU no centro cirúrgico com anestesia, então não senti dor nenhuma", afirma.
Para Maju Ferreira, médica generalista e criadora de conteúdo sobre contraceptivos nas redes sociais, as dores das mulheres são frequentemente silenciadas e, muitas vezes, tratadas como histeria. Além disso, ela aponta para uma dessensibilização dos profissionais de saúde em relação aos pacientes. "Na correria, o profissional já está no 15º preventivo do dia. Mas, para aquela paciente, é a primeira vez no ano que ela está mostrando o órgão íntimo dela. A gente esquece que o que é corriqueiro para a gente não é corriqueiro para o paciente", explica.
A medição da dor é algo extremamente subjetivo. Maju explica que cada mulher tem uma sensibilidade diferente e, em muitos casos, há uma extrapolação dos limites de dor das pacientes. "Você não sabe até onde é normal para aquela paciente sentir dor, e por isso esses limites acabam sendo excedidos", afirma.
Ela destaca ainda a necessidade de respeitar o tempo da paciente: "Existe toda uma questão de deixar a paciente confortável, de ir no tempo dela. Existem pacientes que vão sentir dor — não importa o que façamos — mas essa dor precisa ser validada."
Muito mais do que apenas procedimentos, trata-se da vida e da saúde reprodutiva das mulheres. O aconselhamento e a informação são tópicos cruciais para que as mulheres conheçam seus direitos e saibam até que ponto um desconforto pode se tornar incapacitante. O que ocorre em muitas salas ginecológicas é a normalização do que não é normal.
É o caso da recepcionista Gabriella Sthefany, 25 anos. Ao chegar no consultório para realizar um procedimento, a médica informou que ela sentiria dor. "Como eu senti muita dor, comecei a ar mal e, logo em seguida, comecei a sangrar também. Ela me deixou 20 minutos deitada ali e foi atender outra paciente", relata.
Ela conta que levou o filho, que na época tinha um ano e sete meses, e ele permaneceu na sala durante o procedimento. "No momento da inserção do DIU, senti muita dor e dei um grito de 'ai'. Nisso, meu filho se assustou e começou a chorar enquanto eu ainda tentava me recuperar do procedimento", desabafa.
Além de toda essa situação, houve um agravante. Como ela estava sangrando e não percebeu na hora, saiu do consultório suja de sangue. "Só fui ver que eu estava toda suja de sangue quando cheguei em casa, porque eles não me avisaram nada. Senti falta de assistência da médica. Fiquei morrendo de vergonha, pois peguei Uber, saí da clínica, andei na rua toda ensanguentada e não fui avisada de nada", lamenta.
Ginecologia brasileira
Amanda Mota, médica ginecologista especialista em cirurgia minimamente invasiva, pontua que as diretrizes de manejo da dor podem influenciar a prática médica no Brasil, especialmente em centros de referência e instituições de ensino. “Embora as novas diretrizes do ACOG ainda não sejam oficialmente adotadas no Brasil, elas representam um avanço significativo e podem servir como base para futuras atualizações nas práticas clínicas no país”, argumenta.
Opções incluem anestésicos em formato de creme ou spray, bloqueios paracervicais (anestesia local com realizada com agulha no colo do útero), uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), misoprostol oral ou vaginal e, em alguns casos, sedação intravenosa ou anestesia geral, de acordo com a especialista.
Na inserção do DIU, Amanda costuma oferecer o procedimento até com sedação por acreditar que uma boa experiência favorece a boa adaptação da paciente ao método anticoncepcional. Ela opina que a misoginia é um ponto importante a ser questionado: “Culturalmente, a dor da mulher – seja no trabalho de parto, cólicas, endometriose ou durante um procedimento – tende a ser menos vista pela sociedade, por muitas vezes ser considerada ‘habitual’.”
Vale lembrar que a percepção da dor e as necessidades de manejo variam entre as pacientes. “Portanto, é fundamental que os profissionais de saúde adotem uma abordagem centrada na paciente, discutindo as opções de manejo da dor e respeitando as preferências individuais”, destaca a médica, que relata já ter atendido uma mulher que desistiu do DIU por medo da dor.
Geralmente, os médicos seguem a rotina em procedimentos ambulatoriais e novas práticas enfrentam resistência. Amanda espera que a publicação do ACOG traga um novo olhar sobre a dor da mulher.